O que acontece no corpo durante um jogo emocionante do Brasil na Copa – e quais os riscos

Ás vezes a televisão mostra no meio do jogo uma criança, uma ‘ola’, isso ajuda a acalmar. Mas é pouco. Os locutores precisam dizer aos espectadores diretamente: ‘Acalmem-se!'”, reclama o cardiologista Fernando Costa, do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, e diretor de Promoção da Saúde Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

Ele está falando de partidas tensas da Copa do Mundo como a do Brasil contra a Costa Rica, na manhã desta sexta-feira – e do perigo que essa tensão pode representar para os torcedores.

“Há um aumento enorme de ataques cardíacos e derrames (acidentes vasculares cerebrais) durante jogos. Em homens, mais, porque eles se identificam mais com o futebol. Se estiver muito nervoso, levante, saia, tome um copo d’água”, recomenda o médico.

Um novo estudo alemão, publicado na revista científica The New England Journal of Medicine, revelou que a incidência de emergências cardíacas entre torcedores alemães durante as partidas da seleção daquele país na Copa do Mundo de 2006 cresceu, em média, 2,66 vezes.

Os homens foram mais afetados que as mulheres, mas, em ambos os casos, houve mais episódios de infarto, angina e arritmia cardíaca.

Em 2013, um estudo da Universidade de São Paulo (USP) indicou que as ocorrências de infarto aumentavam de 4% a 8% entre brasileiros durante jogos da Copa.

“O estudo alemão é maior, teve todo um trabalho estatístico longo e produziu números bem fiéis. Temos algumas variações de cultura a cultura, mas, nesse caso, os índices servem para o Brasil também. As doenças cardiovasculares têm prevalência semelhante na Alemanha e no Brasil”, disse à BBC News Brasil o cardiologista Sergio Timerman, especialista em ressuscitação do Incor e Coordenador do Centro de Treinamento em Emergências Cardiovasculares da SBC.

“Isso pode parecer uma piada e, para as pessoas que não ligam para futebol, pode soar como besteira. Mas é coisa séria. Estudos têm mostrado que as emoções fortes são um gatilho muito importante, especialmente para quem já tem uma doença do coração.”

‘Haja coração’ mesmo

Para os especialistas, a expressão “haja coração”, apesar do clichê, tem algum fundamento na biologia. O sistema cardiovascular, segundo eles, é o mais afetado durante momentos de ansiedade, angústia e estresse prolongados, como aquela partida decisiva em que a bola teima em não entrar no gol.

Isso ocorre porque situações de estresse e ansiedade mobilizam os hormônios que preparam o corpo para as situações de ataque ou de fuga. “Quando você está ansioso frente a uma situação de risco, de o Brasil perder, ser desclassificado, você simula esse mesmo efeito”, explica o endocrinologista Cleo Otaviano Mesa Junior, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

“Os hormônios liberados mais imediatamente são adrenalina e noradrenalina, produzidos por gânglios ao lado da coluna e pela glândula suprarrenal, que fica acima dos rins. Eles fazem com que o coração acelere, a boca fique seca, aumente a sudorese e a pressão arterial.”

Estes hormônios, juntamente com o cortisol, um regulador hormonal conhecido também como “hormônio do estresse”, mobilizam os estoques de glicose e aumentam a pressão sanguínea para que os órgãos vitais – cérebro, coração e pulmão, trabalhem melhor e mais rapidamente.

“É por isso também que pessoas com diabetes podem ter picos de glicemia temporários nessas horas. A liberação de glicose no sangue é maior para dar mais energia ao cérebro, que tem que ficar mais atento”, diz.

Como depende do coração o bombeamento de sangue para os órgãos vitais, sua importância aumenta neste momento. O organismo diminui o fluxo de sangue, por exemplo, ao sistema digestivo e ao sistema urinário.

“Pode observar que, na hora da ansiedade, muitas pessoas perdem a fome e não têm nem vontade de urinar”, diz Mesa Junior.

E se você sentiu aquela dor de barriga do medo? “Os movimentos intestinais até podem ser acelerados nessa hora por causa da adrenalina, mas a digestão dos alimentos é menos prioritária”, segundo o endocrinologista.

Torcedor concentrado se enrola em bandeira durante jogo do Brasil (Foto: Fábio Tito/G1)

Torcedor concentrado se enrola em bandeira durante jogo do Brasil (Foto: Fábio Tito/G1)

Aumento da pressão

Este controle do fluxo de sangue no organismo, que é estimulado pela adrenalina, faz com que os vasos sanguíneos fiquem mais apertados. Por isso, as mãos costumam ficar frias e a aparência do torcedor muito ansioso, um pouco mais pálida. O sangue também pode se tornar mais espesso, o que aumenta ainda mais a resistência nos vasos.

Em pessoas propensas às doenças cardíacas, uma situação como esta, caso se mantenha constante, pode causar um bloqueio do fluxo de sangue nas artérias do coração e, consequentemente, um AVC ou uma arritmia cardíaca, segundo Fernando Costa.

“Mas o mais comum, e o mais problemático, é que esse pico de pressão arterial rompa alguma das placas de gordura que nós temos dentros das artérias cardíacas do cérebro. Se uma dessas placas se rompe, ela pode fechar um vaso e provocar até morte súbita”, explica.

As placas de gordura dentro dos vasos são “cultivadas” por hábitos como o fumo e o consumo de álcool e gordura, mas também podem ser consequência de herança genética ou doenças como diabetes.

Além de tudo isso, a mudança de hábitos para assistir aos jogos da Copa muitas vezes é o empurrão que faltava para um problema de saúde.

“As pessoas perguntam: ‘Por que na Copa é pior?’. Isso pode acontecer em outros eventos, inclusive esportivos. Mas durante a Copa, em países nos quais se gosta muito de futebol, a população muda de hábitos. Nos jogos pela manhã, vemos pessoas já tomando cerveja, comendo gordura ou tomando muito café”, diz Sergio Timerman.

“Tudo isso, em excesso, aumenta o trabalho do coração. Como estamos lidando com uma doença muito prevalente, temos uma legião de seres humanos que não sabe que têm. Às vezes, o primeiro sintoma de um infarto é a morte.”

Saiu o gol!

Apesar do alívio, o corpo não se recupera assim tão rapidamente quando o time marca. “O organismo libera a pressão, mas também há liberação de adrenalina na hora do gol. A pressão também pode subir, e tem gente até que desmaia. É preciso estar psicologicamente preparado para essas emoções”, diz Costa.

Na hora da surpresa positiva, além da adrenalina, neurotransmissores como dopamina e serotonina são liberados pelo sistema nervoso central, e dão a sensação de prazer e de alegria.

No entanto, essas substâncias estão mais concentradas no cérebro, já que não há glândula periférica que os produza, diz o endocrinologista Cleo Mesa Junior.

Para Sergio Timerman, o aumento de adrenalina na hora do gol não é tão agudo, e pode ser até positivo para o organismo. “O complicado é que ele permaneça constantemente. Por isso é que a angústia e a ansiedade são perigosas”, diz.

Emoção forte ou ataque do coração?

Na hora da decisão, como saber se o que você está sentindo é uma ansiedade normal ou uma doença de consequências graves?

“Se a pessoa está com o coração como uma batedeira, mas isso não está vindo junto com uma dor no peito, um cansaço ou um mal-estar, é provavelmente uma emoção”, diz Timerman.

Fique atento para o caso de, além dos sintomas normais de ansiedade – aumento do suor, coração acelerado, boca seca, mãos frias – sentir também dor ou pressão no peito, suor frio, náuseas ou ânsias de vômito, ou mesmo se a taquicardia não passar logo. Isso pode ser um ataque de arritmia.

Caso a ansiedade venha também acompanhada de dor de cabeça, paralisia ou fraqueza muscular em um braço ou perna, alterações na fala ou pontos brilhantes na visão (chamados de escotomas), a possibilidade é de um AVC.

“Na dúvida, largue o jogo e procure um pronto-socorro na hora para fazer uma avaliação. Há uma chance de ser tratado com medicamentos e reverter o processo”, alerta o cardiologista Fernando Costa.

Preparação para torcer

Para os especialistas, é importante lembrar do óbvio: manter a calma na hora do jogo, mesmo que pareça impossível.

“Em qualquer evento que nos traga fortes emoções, é importante ter um amparo familiar e presença de amigos. Procure também não mudar demais sua rotina e evite excessos – sem cafeína demais, álcool demais, gordura demais ou cigarro demais”, aconselha Timerman.

Se você está tomando medicação controlada, a rigor, nada o impede de acompanhar a seleção, mas é importante não esquecer de tomar os remédios da maneira correta.

Caso o jogo seja especialmente difícil, vale conversar seriamente com seu médico antes da partida.

Além disso, os cardiologistas afirmam, assegure-se de que o ambiente onde você está vendo o jogo não está repleto de pessoas que são tão ansiosas quanto você – ou mais.

“Se você tem doença conhecida, cuidado. Se não tem, tenha conhecimento do seu estado cardiológico antes de entrar numa situação de estresse comunitário. Em locais públicos, as pessoas ficam cada vez mais ansiosas e vão contaminando umas à outras. Tem gente que entra em uma espécie de transe”, afirma Costa.

Para alguns, pode até valer a pena reduzir o volume do som da TV, caso aquele locutor o deixe nervoso demais. “As emissoras deveriam pedir calma, parar um minuto para ajudar as pessoas a relaxarem. Mas eles aumentam a quantidade de estresse durante o jogo.”

“O indivíduo também deve pensar antes de ter atitudes extravagantes por causa de uma partida de futebol. O importante é estar inteiro para assistir ao próximo jogo”, completa o médico.

Torcedor comemora vitória do Brasil no Anhangabaú nesta sexta (Foto: Fábio Tito/G1)

Torcedor comemora vitória do Brasil no Anhangabaú nesta sexta (Foto: Fábio Tito/G1)

Fonte: G1

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