Uma noite mal dormida, uma sacola muito pesada, um dia inteiro sentado na frente do computador… São várias as situações que fazem as costas entrarem em crise. Não à toa, a dor nessa área do corpo é a principal causa de incapacidade em todo o mundo. No Brasil, ela atinge até 13% de toda a população e só perde para a pressão alta no ranking das maiores queixas de saúde. Não tem jeito: se você nunca sentiu pontadas na região lombar, tenha certeza que um dia passará por essa chateação.
Em primeiro lugar, isso tem a ver com a própria evolução da espécie humana. “Há milênios, quando nossos antepassados adotaram a posição bípede e ereta, a coluna vertebral e os músculos que circundam as vértebras sofreram uma série de adaptações que invariavelmente levam a desgastes”, ensina o neurocirurgião José Oswaldo de Oliveira Júnior, diretor científico da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (Sbed).
O passado dos homens e mulheres das cavernas pode até justificar parte do problema. Mas como explicar que o impacto global das dores nas costas aumentou 50% desde 1990? É só reler a primeira frase do texto. “Nós passamos mais de 200 mil anos em pé e, nos últimos séculos, a má postura e o sedentarismo vêm provocando a atrofia dos músculos paravertebrais, o que traz a dor”, responde o neurologista Pedro Schestatsky, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Esse cenário doloroso motivou a publicação de três documentos no The Lancet, um dos periódicos científicos mais respeitados do planeta. Os autores chamam atenção para o fato de ninguém seguir direito as recomendações de prevenção, diagnóstico e tratamento das lombalgias. “Temos informações de boa qualidade sobre o tema, mas elas não estão na prática clínica”, lamenta a fisioterapeuta Lucíola Costa, da Universidade Cidade de São Paulo, instituição que contribuiu para a realização dos artigos na América Latina. Vamos conhecer as mancadas?
Achar que é doença
Na esmagadora maioria das vezes, a dor nas costas não tem uma origem definida. “Dificilmente conseguimos atribuir uma causa única. Estresse, ansiedade, repouso prolongado e falta de atividade física estão envolvidos”, exemplifica Lucíola. Em apenas 1% dos casos, é possível identificar uma enfermidade por trás do sintoma — as mais comuns são traumas e fraturas após acidentes, tumores próximos da coluna que crescem e apertam os nervos e a espondiloartrite, grupo de doenças reumáticas de fundo inflamatório.
Ir ao pronto-socorro
Os serviços de emergência não são exatamente os lugares mais indicados para identificar e remediar as chateações lombares — pelo menos quando pensamos no longo prazo. “O objetivo ali é apagar o incêndio momentâneo, mas é preciso fazer algo a mais para que o quadro não volte a atacar”, conta a anestesiologista Fabíola Peixoto Minson, do Centro Integrado de Tratamento da Dor, na capital paulista. A sugestão é marcar uma visita ao especialista e, a partir de um bom exame no consultório, iniciar mudanças no estilo de vida que vão diminuir a probabilidade de novas pontadas. Falaremos mais sobre isso a seguir.
Fazer raio-X
Os exames de imagem ajudam muito pouco a definir a melhor abordagem terapêutica. Há casos em que raios X, tomografias e ressonâncias magnéticas chegam até a atrapalhar. Sabe aquele famoso ditado “quem procura acha”?
“Cerca de 60% das pessoas com mais de 50 anos apresentam alguma alteração na coluna, que não necessariamente está relacionada à dor lombar que elas sentem”, calcula o reumatologista Sebastião Radominski, professor da Universidade Federal do Paraná. Esses métodos só devem ser usados quando há suspeita de uma doença — que, como vimos, só pinta em 1% dos casos.
Ir para a cirurgia
Seguindo a linha de raciocínio do tópico acima, é natural imaginar que o passo seguinte ao exame de imagem com algo de errado é recorrer ao bisturi para consertar a falha. Acontece que, quando prescritas sem motivo, as cirurgias trazem prejuízos. “Infelizmente, na prática se opera muito mais que o necessário”, observa Radominski. Segundo os artigos do The Lancet, esse método só está liberado para as dores crônicas, que duram mais de 12 semanas, e se outros recursos terapêuticos menos invasivos não trouxeram o resultado esperado.
Abusar dos remédios
Em uma pesquisa conduzida pela área de Inteligência de Mercado da Editora Abril, 62% dos 700 participantes disseram tomar comprimidos para abreviar o sofrimento antes mesmo de consultar o especialista. Além de mascarar sintomas de doenças mais graves, esse costume leva a sérios efeitos colaterais.
“Não é sustentável terceirizar a responsabilidade pela dor para as pílulas”, afirma Schestatsky. Quando há orientação do profissional de saúde, analgésicos e anti-inflamatórios ofertam alívio e conforto nos quadros agudos. Mas nada de consumir esses fármacos como se fossem balinhas, estamos combinados?
Ficar só de cama
Foi-se o tempo em que o médico dava um atestado de uma semana e pedia para o sujeito permanecer deitado esses dias todos. A ideia hoje é fazer justamente o contrário e já começar a se mexer assim que possível. “O repouso prolongado é ruim em dose dupla: causa atrofia e ainda abala o lado emocional, pois o foco do pensamento fica somente na dor”, aponta Fabíola. O conselho é fazer uma atividade que traga prazer e fortaleça o core, o conjunto de músculos que dá sustentação à coluna. Vale apostar no pilates, no RPG ou em treinos na academia montados para essa finalidade.
Ignorar a postura
Eis o maior culpado por todo esse suplício lombar. Já parou para pensar quantas horas do dia você fica na frente do celular, do computador e da televisão? Ajuste a posição de sua cadeira, fique com os pés encostados no chão e levante a cada 60 minutos.
“Além dos cuidados com a postura, a atividade física regular e o controle do peso são outros dois fatores primordiais na prevenção e no tratamento dessas dores”, acrescenta o ortopedista Fernando Façanha Filho, da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Não dê ponto sem nó: suas costas vão agradecer toda essa atenção.
Na corda bamba
O que influencia o aparecimento das dores nas costas
Histórico: casos de lombalgia na família devem ligar o sinal de alerta
Intensidade: incômodos muito fortes elevam o risco de recidivas.
Excesso de peso: quilos extras sobrecarregam músculos e ossos.
Tabagismo: o cigarro deixa o corpo num eterno estado de inflamação.
Sedentarismo: a ausência de exercícios enfraquece tudo que é estrutura.
Depressão e companhia: doenças psiquiátricas não mexem só com os sentimentos.
Trabalho demais: quem passa várias horas no escritório vai ter mais dores.
Educação: sujeitos menos instruídos reclamam mais desse sintoma.
Transtornos: câncer, traumas e espondiloartrite podem dar esse sinal.
Fios de esperança
Condutas mais e menos indicadas segundo a ciência
Tipo de terapia | Dor aguda (até 6 semanas) | Dor crônica (mais de 3 meses) |
Ter uma vida ativa | Primeira opção de tratamento | Primeira opção de tratamento |
Educação postural | Primeira opção | Primeira opção |
Compressa quente | Segunda opção | Sem indicação |
Exercício físico | Resultado limitado | Primeira opção |
Psicoterapia | Resultado limitado | Primeira opção |
Massagem | Segunda opção | Segunda opção |
Acupuntura | Segunda opção | Segunda opção |
Relaxamento | Sem indicação | Segunda opção |
Paracetamol | Não recomendado | Não recomendado |
Anti-inflamatório | Segunda opção | Segunda opção |
Relaxantes musculares | Resultado limitado | Sem indicação |
Opioides | Resultado limitado | Resultado limitado |
Injeções | Não recomendado | Resultado limitado |
Cirurgia | Sem indicação | Segunda opção |
Fonte: Abril