A embalagem dizia apenas “lasanha de legumes”. Mas, ao ver a foto, achei que o fabricante estava sendo modesto. E fiquei com água na boca só de imaginar as camadas finas de massa, regadas ao molho bechamel e cobertas com um toque saboroso de queijo derretido gratinado.
Retirei cuidadosamente a bandeja da caixa de papelão, perfurei a cobertura de plástico filme e coloquei no microondas. Dois minutos depois, no entanto, a refeição que estava no meu prato era irreconhecível. O queijo estava liquefeito em uma camada de gordura, o bechamel tinha coalhado e a massa estava tão borrachuda quanto uma lula que cozinhou demais.
Quem nunca passou por isso? Esquentar uma refeição de microondas difícil de comer? Elas podem ficar prontas em minutos, mas criar uma receita que dê certo é um processo trabalhoso, que requer uma quantidade surpreendente de ciência.
Por um lado, prevê a adoção de técnicas requintadas criadas por restaurantes com estrelas no Guia Michelin. Por outro, o uso de aditivos alimentares.
Para entender o motivo, fica mais fácil se você compreender a chamada “reação de Maillard”. Descoberta pelo químico francês Louis-Camille Maillard em 1912, é a reação química mais praticada no planeta. E acontece em milhões de cozinhas diariamente, embora poucas pessoas tenham ouvido falar dela.
Basicamente, algo delicioso acontece quando você mistura aminoácidos com certos tipos de açúcar e depois aquece. Novos compostos começam a se formar, deixando o alimento com o aspecto corado e mais saboroso.
‘Magia’
Esses produtos derivados da reação de Maillard são responsáveis pela doçura do café e do leite maltado, pelas notas de caramelo na cerveja, assim como pelo aroma irresistível do pão assado, da batata frita, da carne de churrasco e de marshmallows tostados. A maioria dos alimentos considerados uma tentação devem isto à reação.
É uma das razões pela qual os temperos costumam ser refogados antes de serem usados, e por que não há comparação entre batatas fritas e cozidas. A atração por esses alimentos pode ser inata do ser humano, já que eles são um subproduto da culinária e nós somos as únicas espécies capazes de fazer isso (embora os chimpanzés, com alguns estímulos, estejam chegando perto, relataram cientistas em 2015).
“É uma reação muito complicada”, afirma Steve Elmore, químico da Universidade de Reading, no Reino Unido.
Dependendo das proteínas e açúcares envolvidos, existem milhares de produtos derivados possíveis. Aminoácidos com altos níveis de nitrogênio tendem a gerar aromas mais agradáveis, enquanto as variedades mais concentradas, segundo Elmore, costumam resultar em enxofre e cheiro de cebola.
O problema é que a reação não ocorre se a comida estiver muito úmida. “Se você bota uma batata crua no forno, ela tem cerca de 80% de umidade”, diz Elmore.
Quando entra em ponto de ebulição, a água começa a evaporar e sua superfície começa a secar.
“Você precisa baixar a quantidade de água para cerca de 5% antes que a reação de Maillard aconteça. Assim, você terá todos os sabores agradáveis e a cor dourada”.
É por isso que as batatas assadas são geralmente douradas por fora e claras por dentro.
Decepção
Os microondas funcionam de forma diferente. Em vez de esquentar o ar ambiente, eles bombardeiam os alimentos com pequenas ondas de rádio de alta potência que aquecem as moléculas em seu interior à medida que vão passando. Isso significa que a superfície nunca fica quente ou seca o suficiente para que a reação de Maillard aconteça, levando à decepção.
Também faz com que as refeições prontas acabem sendo um pouco sem graça. Um estudo mostrou que a carne feita no microondas tem apenas um terço do delicioso aroma químico daquela que é cozinhada da forma convencional. E outra pesquisa revelou que o pão assado no microondas é, francamente, desagradável.
Fabricantes menos escrupulosos tentam mascarar a ausência do aspecto apetitoso enchendo seus produtos de sal, açúcar e glutamato monossódico, que dá sabor aos alimentos.
Em 2015, uma investigação conjunta do jornal britânico The Telegraph e da ONG Action on Sugar descobriu que algumas refeições dos supermercados britânicos continham duas vezes mais açúcar do que uma lata de Coca-Cola, ou cerca de 13 colheres de chá (quatro a mais do que a quantidade diária recomendada para um homem adulto).
Mudança de hábito
Mas não precisa ser assim. À medida que cresce a demanda por refeições caseiras e com sabor fresco, os fabricantes passaram a adotar uma abordagem mais sofisticada, que começa com a escolha dos ingredientes certos.
“A realidade é que nem tudo é adequado para se cozinhar no microondas”, diz Benn Hodges, chefe de cozinha da Eat First, empresa especializada em refeições gourmet prontas. Ele já trabalhou em alguns dos melhores restaurantes do mundo, incluindo o premiado Roka, em Londres.
Vejamos o caso do salmão. As estrias presentes nos filés são onde os músculos usados pelo peixe para nadar se juntam. Eles são unidos pelo colágeno, que derrete e se transforma em gelatina ao cozinhar. É por isso que sua carne fica em lascas. Ao mesmo tempo, as proteínas do músculo começam a desnaturar e coagular, o que explica por que ele se torna opaco.
Como todos os bons cozinheiros sabem, um dos principais perigos do salmão é que ele se desmancha, e o encolhimento das fibras musculares extrai sua umidade, transformando o que seria um suculento jantar em um prato seco. A melhor maneira de evitar ambas as situações é deixá-lo o mais quente possível e cozinhá-lo rapidamente. E é aqui que entram as microondas.
A maioria dos fornos de microondas opera em uma frequência de 2,45 GHz, que é mais facilmente absorvida por água, gordura e açúcar. Quanto mais moléculas dessas um alimento tiver, mais rapidamente ele vai cozinhar. É por isso que os filés de peixe com alto teor de água e gordura são ideais.
Como bônus, a água não ferve no microondas até chegar a 105°C, então, o que você cozinhar vai reter mais umidade. E, por fim, vai preservar os pigmentos saudáveis que dão ao salmão a cor rosado-alaranjada e o aroma perfumado.
“Dadas minhas experiências passadas, eu jamais teria sonhado em cozinhar peixe no micro-ondas, mas realmente funciona”, diz Hodges.
Técnica mista
Um prato que ele estava particularmente interessado em recriar como refeição pronta era o salmão ao molho teriyaki do Roka, que é grelhado na brasa do carvão e servido no tradicional espetinho japonês – a robata. Para se certificar de que os filés sejam banhados em compostos Maillard, como na receita original, eles são grelhados primeiro em um forno a 300°C.
“O salmão já está coberto com o molho e o forno cria um lindo esmalte, como se você estivesse fazendo isso em uma robata no restaurante”, diz ele.
Para evitar cozinhar em excesso – afinal, o peixe ainda precisa ser levado ao microondas – o filé dourado é retirado após um minuto e resfriado.
“Trata-se realmente de parar o processo de cozimento rapidamente”, conta Hodges.
“Temos um dos melhores e maiores refrigeradores que você pode comprar. Ele leva, digamos, menos de cinco minutos para chegar a 100 graus negativos.”
Esses refrigeradores são extremamente populares na culinária profissional. Na verdade, são muitas vezes a única maneira de cumprir com as normas de segurança alimentar, uma vez que apresentam o benefício adicional de evitar que bactérias nocivas proliferem enquanto a comida está esfriando.
Sabor deteriorado
Isso nos leva ao próximo problema. A maioria das refeições feitas para microondas é pré-cozida, o que significa que corre os mesmos riscos inerentes às sobras. E o mais temido é o “gosto de requentado”, um sabor rançoso que tende a se desenvolver na carne que foi cozida e depois refrigerada. Costumam dizer que o gosto lembra uma mistura de papelão e pelo de cachorro molhado, e ocorre como resultado da reação do oxigênio com as gorduras da carne.
Nesse caso, a maioria dos fabricantes resolve o problema adicionando antioxidantes, que impedem que o oxigênio reaja com a gordura. Podem ser aditivos alimentares, como o hidroxitolueno butilado (E321), mas também ervas (o alecrim é particularmente eficaz), especiarias, vitaminas e até suco de limão. Ironicamente, os compostos de Maillard, que frequentemente estão ausentes em refeições prontas, também são poderosos antioxidantes.
Outros fabricantes apenas se certificam de que sua comida seja consumida antes que isso aconteça.
“Tem comida no mercado com validade de até dois meses e, na verdade, acho meio assustador. Por exemplo, encontramos uma empresa que fazia comida infantil refrigerada supostamente saudável e tinha um prazo de validade de três meses”, diz Hodges.
Tem ainda a questão da comida “murcha”. O ar frio do micro-ondas faz com que o vapor condense rapidamente, se transformando em líquido. Isso impede não só que os alimentos desenvolvam uma superfície crocante, como também adiciona umidade a eles – evitando a formação de casca no pão e deixando a pizza mole.
Mas a ciência também pode dar uma mãozinha, como na criação do material “susceptor”, uma nova e inteligente tecnologia que permite fazer pães crocantes no microondas. Em geral, consiste em uma bandeja de papelão forrada com plástico, que, por sua vez, é revestida por uma fina película de metal. A sabedoria popular diria que o metal fica tão quente no microondas que certamente vai provocar uma enorme explosão e botar fogo na sua casa. Mas isso não é exatamente verdade.
Na prática, depende do formato. As chapas planas costumam ficar apenas muito quentes, enquanto qualquer forma angular, como um pedaço de papel alumínio moldado para cobrir um prato, vai acabar pegando fogo. É que as cargas elétricas se acumulam mais em superfícies angulares, e isso significa que as embalagens “susceptoras” ficam quentes o suficiente para que uma crosta se forme, mas não tanto a ponto de queimar. Elas também esquentam o bastante para que a reação de Maillard torne seu jantar mais apetitoso.
Mas talvez o pior defeito do microondas seja deixar aquele sabor de comida pronta. Isso se deve em parte à ausência daquele douradinho, claro, mas também ao fato de que o microondas contém ar frio. Os fornos convencionais secam a superfície dos alimentos, o que impede que os compostos aromáticos escapem à medida que evaporam. A crosta de, digamos, uma lasanha preparada no forno, forma uma barreira impenetrável, enquanto a mistura pastosa do molho bechamel com o queijo no microondas não é páreo para a fuga de sabores.
Hodges ameniza essa imperfeição incorporando legumes em conserva às suas refeições.
“Ajuda a acrescentar um toque real de acidez e sabor fresco, dando ao prato um paladar menos homogêneo”, diz ele.
Desde que foi inventado por acidente, em 1945, quando um engenheiro inadvertidamente derreteu seu lanche, o microondas revolucionou a forma como nos alimentamos. As lasanhas de supermercado talvez nunca tenham aquela cobertura crocante e dourada que desejamos, mas a ciência tem deixado esses pratos cada dia mais saborosos. E se não der certo, você terá sempre a opção de esquentar sua refeição pronta no forno convencional.
Fonte: G1