Futuro em risco: o perigo de não vacinar as crianças

Recentemente, no final de uma palestra sobre imunização para uma sala lotada de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, alguém da plateia levantou a mão e nos fez essa surpreendente pergunta: “Mas as vacinas são realmente necessárias?”

Poderíamos ter respondido com um monossilábico “sim”, mas preferimos adotar outra tática para sermos mais convincentes. Por isso, devolvemos para a plateia:

— Quem de vocês já viu um caso de varíola?

Ninguém havia visto.

— Quem de vocês já viu um caso de sarampo?

Como o encontro ocorreu antes dos recentes surtos dessa doença, a resposta foi unânime: nenhuma pessoa na plateia tinha visto.

Continuamos:

— E quem de vocês já viu uma criança com pólio?

Novamente ninguém se manifestou.

Veja só: há coisa de um pouco mais de 50 anos, nossos hospitais abrigavam numerosos casos de varíola em adultos e crianças, com altas taxas de mortalidade. Na década de 1980, havia enfermarias lotadas de crianças com sarampo. O problema era, inclusive, a segunda causa mais frequente de doença infecciosa a vitimar nossa população infantil. E a pólio, então, uma das principais razões por trás de crianças com limitações de movimento até a década de 1960.

Como vocês acham que essas doenças, tão comuns e graves, tornaram-se desconhecidas na atualidade? Não adianta pensar em explicações esotéricas ou alternativas. A resposta é uma só: graças ao sucesso das vacinas.

Os imunizantes trouxeram e continuam trazendo enormes benefícios na prevenção desses e de outros males infecciosos. Onde foi parar a difteria? A rubéola congênita? E o tétano neonatal? Não precisamos nos alongar muito para deixar claro que as vacinas são o maior presente que a medicina ofereceu à humanidade.

No entanto, apesar dos inegáveis resultados positivos, nunca estiveram tão ativos, no mundo todo, grupos contrários às imunizações. Eles vêm incendiando a mídia, especialmente a eletrônica, com informações e orientações contra o uso de vacinas. Suas motivações são variadas:

  • Religiosas: “Só Deus pode decidir sobre o destino dos homens.”
  • Filosóficas: “Só o que é natural é bom. As vacinas não são naturais. Logo, não são boas.”
  • Pseudomédicas: “As vacinas sobrecarregam o sistema imunológico da criança.”

Sim, há uma miscelânea de argumentos. Todos, porém, tem algumas características em comum:

  • A absoluta falta de base científica
  • O total desconhecimento histórico
  • A impermeabilidade a provas contrárias a seu ponto de vista
  • O alarmismo de suas manifestações

Como consequência desse movimento, muitas das doenças que poderiam ter sido erradicadas ou pelo menos controladas ainda dão origem a surtos e até mesmo epidemias. Se o ressurgimento da difteria e do sarampo na Venezuela, assim como a pólio e o sarampo na Nigéria, no Paquistão e no Afeganistão, pode em grande parte ser atribuído à pobreza, ao descaso das autoridades locais, à falta de infraestrutura no atendimento a saúde e a conflitos civis, os mesmos argumentos não servem para justificar os recentes surtos de sarampo em vários países da Europa. Eles foram causados principalmente pela insuficiente cobertura da vacina, ainda que o agente imunizante estivesse amplamente disponível. A atuação dos grupos antivacina foi lamentavelmente decisiva para esses surtos.

Pode-se alegar que o temor das reações adversas das vacinas também está por trás de boa parcela dos casos de recusa. De fato, as imunizações são potencialmente acompanhadas de efeitos colaterais indesejáveis. Contudo, eles são muito inferiores, quando aparecem, do que é propagado por aí pelos grupos antivacinas. No balanço entre riscos e benefícios, são incomparavelmente mais brandos do que as doenças evitadas com seu uso.

Para reverter a subutilização dessa arma tão segura e eficaz e proteger a população dos sofrimentos impostos pelas enfermidades infecciosas, é necessário conscientizar permanentemente a população sobre as vantagens da vacinação. Para tanto, é importante inclusive que os profissionais de saúde, em particular aqueles em maior contato com os pais e responsáveis pelas crianças, conheçam as evidências científicas a respeito para que possam esclarecer as pessoas sobre os benefícios das vacinas e o que fazer diante de eventuais efeitos adversos — e isso precisa ser feito, claro, com paciência e linguagem clara e acessível.

Da mesma maneira, é fundamental que os profissionais e a sociedade se empenhem em combater as notícias falsas (tão em moda hoje), divulgadas sem qualquer embasamento científico. A mídia tradicional deve ser uma aliada, como aliás tem se mostrado na maioria das vezes, na luta e na conscientização para uma saúde cada vez melhor. E o campo da vacinação não permite acomodações, sob pena de retrocessos inaceitáveis numa área da medicina cujos benefícios já estão mais que comprovados.

O futuro aponta para uma progressiva expansão das imunizações, tanto em termos de alcance quanto no número de vacinas disponíveis. Não há sentido em permitir que a desinformação e movimentos sem sentido comprometam os avanços inestimáveis da vacinação, algo capaz de colocar em risco as crianças e um mundo melhor e mais saudável.

* Dr. Guido Carlos Levi é infectologista, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim) e coautor do livro Vacinar, Sim ou Não? (MG Editores)

Dra. Monica Levi é pediatra, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), membro da Sociedade de Pediatria de São Paulo e coautora do livro Vacinar, Sim ou Não? (MG Editores)

Revisão técnica: Dr. Marco Aurélio Sáfadi, pediatra, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e diretor do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

Fonte: Saúde Abril

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